Por que os direitos naturais não são suficientes

0 comentários

Existe um aspecto na ética de direitos naturais defendida pelos liberais/libertários que constantemente é esquecido, o que constitui uma falta grave: a sua insuficiência dentro da filosofia. E, para que isso não soe provocativo ou ultrajante, trata-se de uma característica fundamental deste sistema ético; afinal, fosse ele pretensamente taxativo e extenso, haveria muito mais possibilidade de falhar e cometer abusos e injustiças. A ética que se arrogasse a tarefa de conter toda a verdade em si própria extrapolaria o limite fundamental da própria ética: sua oponibilidade a outrem, sua obrigatoriedade universal.

Entretanto, ainda que não seja este um defeito, na maioria das vezes é parcamente tratado em livros, artigos e pesquisas sobre o assunto.

É preciso reconhecer e lembrar, sempre, que a única função e aplicabilidade da ética de direitos naturais é a busca da justiça objetiva. Tudo que se tente encontrar além disso usando analogias ao direito natural será uma extrapolação sem-sentido e, na maioria das vezes, prejudicial ao próprio atingimento do que buscam tais mandamentos. Explico-me.

Tomemos por exemplo o caso dos projetos sociais mantidos pelo governo. Obviamente, como o governo jamais produziu e provavelmente nunca produzirá riqueza alguma, como todos sabem, somente pode tirar os recursos necessários para tais projetos de impostos – ou seja, apropriações ilegítimas da propriedade dos indivíduos. Em posse deste dinheiro, o governo promete ajudar os pobres. Não fosse o pequeno grande detalhe de que o dinheiro foi apropriado ilegitimamente, não haveria qualquer problema em se ajudar pessoas que passam necessidade. Mas justamente este fato é o que derruba toda a construção governamental, que normalmente não passa de proselitismo com dinheiro alheio. Através da ética de direitos naturais sabemos que, a partir da apropriação legítima de um bem, este somente poderá ser transferido legitimamente com o consentimento do proprietário, ou por algum mandamento compatível com mandamentos de direitos naturais. Não existe, como sabemos, o dever de ajudar outrem e, logo, a tomada arbitrária de propriedade ou liberdade para este fim não deve ser tolerada, seja pelo governo, seja por uma outra instituição.

O grande problema ocorre quando transportamos este mandamento para o campo da moral e tentamos viver em função deste sistema.

O caso ocorre quando o liberal/libertário acredita que seja completamente normal levar uma vida longe da caridade, ou longe da tolerância social, cultural ou religiosa, por exemplo. Não ter o direito de obrigar indivíduos a cooperarem jamais significará que uma postura irascível e mesquinha deve ser tolerada de bom grado: não deve. Tão importante quanto prezar pela justiça é cultivar, promover e aprimorar o que seja o melhor caminho a seguir. E é justamente disso que trata a moral: ao passo que a ética de direitos naturais nos diz qual caminho não devemos traçar, ou seja, trata de mandamentos negativos, a moral nos indica qual é o melhor caminho a ser seguido, que trará não só frutos indivíduais, mas, principalmente, coletivos.

Em verdade, a nenhum indivíduo é possível viver somente se abstendo de praticar condutas e nenhum indivíduo terá condição de ser plenamente feliz ou realizado se não existe perspectivas do que fazer, ao invés do que não-fazer.

Algumas considerações acerca do minarquismo

1 comentários

O minarquismo, assim como o "neoliberalismo", é uma corrente político-filosófica sem doutrina. Na verdade, não há qualquer grande obra ou grande pensador que tenha cunhado o termo e definido suas diretrizes, sua ideologia, seus valores morais e éticos. Mas, assim com o neologismo esquerdista, identifica uma corrente de pensamento nomeada por seus críticos ou comentaristas - à diferença que não há, a meu ver, qualquer conotação perjorativa.

O que os adeptos do minarquismo têm em comum é a aceitação do Estado como instituição legítima desde que se limite à manutenção da segurança e da justiça - o que não o impediria de ter as mesmas funções de hoje, como o Poder Executivo, para cuidar da administração pública, o Poder Legislativo, para criação e modificação das leis, e o Poder Judiciário, que cuidasse da aplicação das leis.

Imagino que, ao descrever como seria a organização de um Estado minarquista, já invado uma seara que não é pacífica. Tudo que disse provavelmente não reunirá mais que alguns poucos minarquistas em favor da minha opinião, e isso ocorre, justamente, porque não há qualquer sistematização desta posição - e é este o motivo de tantas pessoas abandonarem o minarquismo para aderirem a uma outra corrente, normalmente o anarco-capitalismo.

A legitimidade do Estado

Talvez seja este um parágrafo um pouco indigesto para todos os anarco-capitalistas e, inclusive, para os minarquistas. Falar em legitimidade do Estado muitas vezes causa mais revolta entre liberais que cuspir na cruz na presença de católicos, mas vamos lá.

Todo liberal - seja minarquista, seja ancap, ou qualquer outra corrente - deve, necessariamente, para fundamentar sua posição, ser partidário de um direito natural, isto é, um direito a priori; um direito que seja reconhecido pela sociedade, em detrimento da posição de que o direito é fruto de uma instituição. Como característica fundamental, a ética de direitos naturais é universal, ou seja, é oponível a todos os indivíduos, em qualquer lugar do globo. A ética de direitos naturais é imperativa, ou seja, ela se impõe sobre todos os indivíduos, não importando se consentem com esta ou não; isso significa que ninguém poderá alegar que é injusto ser punido pelo assassinato de alguém se não consentiu que o assassinato deve ser crime. Esta ética também é subsidiária em vários pontos, ou seja, há uma margem considerável de voluntarismo em relação às infrações éticas por parte da vítima (v.g., um sujeito pode consentir que lhe batam, agredindo sua integridade física), mas, na falta deste consentimento, a justiça não pode deixar de ser feita, sob pena de enfraquecer a força desta ética; ela é disponível em relação à passividade do sujeito, mas não em relação à atividade do sujeito: pode haver consentimento de ações passivas contra ele que afrontem a ética de direitos naturais, mas não pode haver atividade do sujeito que confronte a ética de direitos naturais; em suma, é lícito apanhar, mas não é lícito bater.

Se se admite que há indisponibilidade do indivíduo em relação a algum aspecto da sua vida, também se admite que, na mesma área dessa indisponibilidade individual inside um imperativo coletivo - que é a aplicação da ética de direitos naturais.

Um sujeito deve ser perfeitamente livre para aderir às mais diversas instituições privadas que desejar, mas, se é certo que existem direitos e deveres universais, é também certo que a aplicação destes seja compulsória: daí por indivíduos não poderem afastar-se da eficácia destes e daí porque torna-se necessário e justo um sistema que tenha como fundamento primeiro a ética imperativa, e não o consentimento do indivíduo. Qualquer afronta a este sistema é nula e, se não há um último garantidor - construído essencialmente sobre a justiça - de que esta nulidade seja sanada, então não há qualquer garantia de que a ética de direitos naturais será, ao menos, perseguida.

A Igreja Católica e o Aborto

1 comentários

Apesar do texto abaixo não ter qualquer relação com o assunto que acabou estourando na última semana pelo noticiário tupiniquim, talvez seja interessante aproveitar o "clima" para fazer minhas considerações sobre o caso.

Trata-se do caso da menina de 9 anos, grávida de gêmeos em decorrência de um estupro praticado por seu padastro. Com os noticiários correndo o país, tudo seguiu o seu rumo normal: entidades abortistas tomaram carona na dor da família para fazer proselitismo, políticos progressistas utilizaram o caso para arrebatar mais alguns minutos de fama para seus projetos e a Igreja Católica defendeu que a vida é sagrada e nem mesmo um caso dessa maneira serve de pretexto para um aborto.

O que se seguiu dessa última reação normal ao caso serviu para desmistificar a tese de que a Igreja Católica possui a simpatia da "mídia conservadora"; aliás, serviu para fazer ruir todo e qualquer discurso da "mídia reacionária", tão denunciada pelas esquerdas: todos os jornais e canais travaram uma disputa para ver quem atacava mais duramente, mais inconseqüentemente a Igreja.

Diversos intelectuais, médicos, "especialistas" de toda a sorte foram convidados a expor suas opiniões sobre o tema - que, como não podia deixa de ser, eram contrárias à Igreja. Durante uma semana inteira, telejornais de todos os horários reservavam um espaço do noticiário para demonstrar a "repercussão internacional" da atitude da Igreja. Do outro lado, somente holofotes para a conduta do Arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho. Obviamente, o fato de não entrevistas médicos, intelectuais e outros que apoiavam a decisão da Igreja Católica não foi acidental: a estratégia era isolar o Arcebispo e fazê-lo parecer retrógrado, esclerosado e insensível à dor da família.

Muitos se esforçaram no quesito imbecilidade, mas acredito que Kennedy Alencar, colunista da Folha, tenha ganhado de Arnaldo Jabour - campeão histórico - por alguns centímetros de diferença.

Em sua coluna de sábado passado, dia 7, Kennedy toca em todos os pontos-comuns de críticas à Igreja; exercita todo seu progressismo e ainda sugere como a Igreja deve se portar. Vocês sabem como é: certas pessoas pensam que instituições com 2.000 anos de vida ainda não aprenderam a se adaptar aos "novos tempos", não aprenderam a renovar sua mensagem e suas práticas, daí a necessidade de serem aconselhadas por intelectuais do peso de Kennedy Alencar.

Analisemos.

Os dogmas da Igreja e a postura dos fiéis

Logo no início de seu texto, afirma Kennedy Alencar que "como toda instituição viva, seus dogmas merecem contestação de quem pertence aos seus quadros, de quem já pertenceu e de que não pertence".

De cara, Kennedy Alencar já aplica um golpe em seus leitores: sob as vestes da liberdade de expressão, tenta imputar a Igreja a obrigação de questionar os motivos pelos quais ela é, vejam só!, a Igreja! Obviamente, o que Kennedy Alencar pretende não é defender a liberdade de opinião: isso já existe e é latente; inclusive, após os movimentos até questionáveis da Igreja rumo ao ecumenismo pós-Concílio Vaticano II, não há qualquer indivíduo sensato capaz de acusar a Igreja de restrições impostas à comunidade católica e não-católica em relação aos seus princípios.

Questionar, no sentido de meditar, inquirir, esforçar-se para entender os dogmas da Igreja é um exercício válido e exigível de todo católico, afinal, os dogmas não nos propõem mistérios ininteligíveis. Porém, não é este o sentido de "questionar" intencionado por Kennedy. O que deseja o colunista é discutir a validade e a veracidade dos dogmas católicos. Ora, a Igreja desde os primórdios da sua existência assenta sua autoridade e ensinamento sobre os dogmas de fé; ainda assim, muitos outros foram incorporados à doutrina após centenas de anos de análise por teólogos e filósofos da Igreja - donde não se pode levantar a questão de um fundamentalismo bíblico ou tradicionalista.

O questionar kennedyiano assume a face do confronto, do livre exame pessoal dos dogmas, o que é inaceitável. Ser católico é, antes de tudo, uma escolha individual e livre: ninguém é obrigado a ser católico, mas existe uma livre adesão por parte do sujeito que compactua com seus princípios.  E um dos princípios essenciais da Igreja é a obediência às suas normas. Obediência, com a devida vênia, não se trata de aceitar somente aquilo com o que se concorda; antes, é a posição de aceitação passiva daquilo que não se pode alcançar.

O Igreja e o Estado laico

Continua Kennedy Alencar em seus espasmos de genialidade: "os religiosos se julgam no direito de criticar decisões legais, como o aborto de uma criança de 9 anos que foi estuprada. Ora, se podem meter o bedelho nas regras do Estado laico e democrático, podem também ouvir críticas aos seus dogmas".

Pensadores como Kennedy entendem a laicidade do Estado como a negação de Deus ou a veracidade de uma religião, o que é falso. A laicidade do Estado significa que, pelo bem dos indivíduos e para garantias mais firmes de que o Estado não descambará para uma perseguição dos fiéis do credo X ou Y, existe um distanciamento do Estado e de seu aparelho administrativo das questões teológicas. De maneira diferente, o Estado não pode presumir que a Igreja e seus componentes tenham o mesmo afastamento pelo simples motivo de que a Igreja, como todos os indivíduos e associações privadas, está sob o domínio do Estado, mas não o contrário. A opinião de um bispo tem o mesmo peso da opinião de um líder sindical, por exemplo, porque representa uma quantidade imensa de pessoas, mobilizadas por uma caraterística comum, qual seja, no caso, a adoção da moral e dos valores cristãos.

Desse modo, a Igreja tem total liberdade e legitimidade para se expressar, criticar o Estado e, ainda, utilizar o aparato estatal buscando a justiça, da maneira que lhe aprouver. Não é possível ser coerente quando se afirma que a Igreja tem de se sujeitar ao debate de seus princípios, mas o Estado não pode sofrer a mesma ação. E Kennedy Alencar não é coerente, tampouco honesto: vedar o acesso da Igreja à justiça é uma violência tão grande quanto privar um indigente de obter o amparo da lei, simplesmente porque, em relação ao poder estatal, Igreja e indivíduo não possuem qualquer força comparável, tornando-se meros súditos.

A excomunhão e a liberdade

"Nesse contexto, é absurda a excomunhão dos médicos e da mãe da menina estuprada pelo padrasto".

Inspirado, Kennedy acha que já reuniu argumentos suficientes para chegar à conclusão de que a excomunhão é absurda. Somente por curiosidade, tentemos estabelecer um nexo causal utilizando a lógica kennedyiana: dogmas devem ser confrontados e o estado é laico, logo, a excomunhão é absurda. Vejam que rigor racional! Descartes sentiria-se envergonhado ao lado de Kennedy Alencar.

"Os idiotas da subjetividade vão dizer que é assunto da Igreja Católica e ponto final. (...) Quem é católico que se acomode, e os incomodados que se retirem".

Reafirmo minha posição de que o estupro constitui uma violência contra a mulher, um fato completamente imprevisível que a tira de uma situação de segurança e joga-lhe numa espiral de responsabilidades sem seu consentimento. Por isso, afirmo que a lei não deve vedar-lhe o aborto terapêutico - observadas estritas regras, claro. Por outro lado, permanece com ela a escolha moral; permanece com ela o ônus de optar pelo caminho mais fácil, mais prático. E são essas escolhas que os cristãos são chamados a fazer durante toda sua vida.

Cristo não nos deixa a esperança de um paraíso na terra, apesar de ser possível ao homem construir o amor e perpetuar a paz; antes, é da lei natural que o homem sofra, que diversas tragédias aconteçam sem que haja algum motivo específico e individual para o sofrimento: ao mais perfeito e puro dos homens foi destinado o maior dos sofrimentos. Ainda que o cenário geral seja positivo, o cristão deve fazer escolhas muitas vezes contrárias ao prazer imediato e temporal.

Entretanto, como já mencionado, a opção por Cristo não é uma imposição, mas uma adesão. A partir do momento em que aderimos a uma certa ideologia ou instituição, tornamo-nos moralmente obrigados - por nós mesmos!! - a seguir suas regras, agir de modo a não ferir seus limites. E quando incorremos em um erro e uma falta, não atinigimos a instituição da qual fazemos partes, mas, em primeiro lugar, nossa própria consciência, que foi a responsável pela nossa obrigação de não cometer tais faltas.

A Igreja e a vida

No papel de defensora dos direitos naturais, não seria outra a posição da Igreja senão optar pela vida. Por isso, o desdém de Kennedy Alencar, exposto no trecho "no direito canônico, o aborto é mais grave que o estupro" é injustificável.

Como todo ordenamento normativo, o Código de Direito Canônico tem por objetivo, primordialmente, o reconhecimento de direitos anteriores à sua promulgação, não a fixação de normas posteriores a serem obedecidas. E o reconhecimento da vida como valor sagrado e insuperável no mundo encontra amplo amparo nas escrituras, inclusive no decálogo ("Não matarás") e pelas palavras do Mestre ("Amará o próximo como a ti mesmo").

A defesa da vida humana, em todas as suas formas, sobre todas as coisas é imperativo da atividade da Igreja e dos católicos, daí ser legítimo e justo afirmar que o estupro é um crime menor que o aborto, que o roubo ou o seqüestro também o são. Embora extremamente graves e repugnantes, nenhum deles é tão sério e traz tantas conseqüências para as vítimas e para a ordem social quanto um assassinato.

O objetivo de Kennedy Alencar

Há algum tempo, Kennedy se daria por satisfeito. Mas com a percepção de que toda a mídia está com ele, não há o que temer, não há por que se esconder. Assim, sem qualquer pudor em disfarçar a real intenção de seu artigo, apenas uma singela desfaçatez no início do parágrafo:

"A briga é meio perdida, mas é preciso discutir a ampliação do direito ao aborto num país em que isso é questão de saúde pública. A mulher deve ter o direito de decisão. Legalizar mais amplamente o aborto, com limite até determinado tempo de gestação, não vai obrigar ninguém a tirar filho da barriga".

Pois é, Kennedy. Em mais um arroubo de sua lógica elementar, você nos ensina que a legalização do aborto não obriga a mãe a fazer tal agressão. mesma forma, a legalização do homicídio não obrigará assassinos a matar, tampouco a legalização do roubo nos imputará o dever de expropriar a propriedade alheia - como se já não soubéssemos.

Notas Finais ou A Igreja e o tempo

Segundo o jornalista, "Esse discurso serve a um conservadorismo anacrônico que afasta cada vez mais a Igreja Católica do cotidiano de seus seguidores".

Novamente, a grande autoridade eclesiástica e profundo conhecedor do cristianismo, da Igreja e da história tem grandes conselhos a dar a uma instituição bi-milenar. Kennedy Alencar sugere, então, que a Igreja católica deixe um pouco de lado seu cristianismo para voltar a agregar pessoas.

Não é, para Kennedy, os fiéis que devem se ajustas às normas, princípios e valores da Igreja Católica Apostólica Romana, mas a própria Igreja deve abrir mão do que a faz Igreja para perpetuar-se no poder. Nada surpreendente, afinal, Kennedy somente transporta sua concepção pseudo-gramsciana da política para o campo religioso.

A Igreja prevaleceu sobre o maior império construído pelo homem; a Igreja prevaleceu sobre as distâncias num mundo em que viagens intercontinentais tinham a dificuldade de viagens interplanetárias; a Igreja prevaleceu sobre as duas grandes guerras. Não será mais um período de crise moral que derrubará a Rocha de Cristo.

535px-Coat_of_arms_of_the_Vatican_City.svg

 

 

Algumas considerações sobre o aborto

0 comentários

O tema acabou surgindo novamente na comunidade Liberalismo (verdadeiro) e gerou uma rápida, mas acalorada discussão.

O tema é extenso, mas pretendo desenvolver tópicos rápidos para falar dos aspectos mais conhecidos e discutidos. Sinceramente e pessoalmente, é um tema que me aborrece um pouco: há um misto de má-vontade, preconceito e um progressismo irracional do outro lado. Não direi que não existem bons argumentos racionais para pôr em xeque a ilegalidade do aborto, mas dificilmente são encontrados. O que se tem, em regra, é uma birra, motivos passionais, pessoais e muita, mas muita desinformãção e presunção - esta, covardemente, sempre contra o feto.

 

O feto é uma vida humana?

É a questão fundamental e primeira do aborto. Só tem direito aquele que é vivo e se chega à certa e inegável conclusão de que o feto não é vivo, não se trata de discutir se o aborto é ético ou não, pois seu ato não constituiria uma violência contra a liberdade, propriedade ou vida de outrem.

A resposta muito simples, muito humilde e muito sincera é: não há conclusão.

baby Não há conclusão não por se tratar de um feto, mas por ser impossível afirmar, hoje, como caracterizamos uma vida humana. Critérios filosóficos e científicos podem ser sugeridos, mas nenhum sujeito com senso de responsabilidade e na busca da verdade seria arrogante o suficiente para afirmar, com toda certeza, o que é a vida humana. Um doente terminal possui tanta natureza humana quanto o sujeito saudável? Um paciente em estado vegetativo merece o direito à vida e à propriedade? Um sujeito disforme, deficiente mental e incapaz tem tanta dignidade quanto o resto de nós?

É inquestionável a natureza humana do feto, desde a sua concepção, pois este possui uma carga genética compatível com os outros homo sapiens. Quanto à sua vida, por ser impossível atestar com segurança se existe ou não e se é humana ou não, devemos conceder-lhe o benefício da dúvida.

Afinal, quem seria estúpido o suficiente para dar um tiro às cegas enquanto sabe que tem consideráveis chances de matar alguém?

A mulher tem direito ao próprio corpo, ainda que esteja grávida?

Obviamente, a mulher jamais deixará de ser proprietária de seu corpo. Ela é livre para fazer dele o que quiser. A liberdade da grávida, entretanto, cessa quando todo e qualquer ato seu vá de encontro com a integridade do feto. O feto não faz parte do corpo da mulher, mas é, em sua estrutura essencial, como condição sem a qual não existiria (conditio sine qua non), um corpo dependente.

Ser dependente é um atestado de não-humanidade? Não possuir autonomia significa não ter direitos? Obviamente não, pois sabemos que crianças até uma idade considerável não são autônomas; diversas deficiências físicas, biológicas e neurológicas também incapacitam plenamente um sujeito, donde não se infere que este não possui direitos, ou não é humano; idosos em número bastante considerável acabam por necessitar de cuidados e vigilância 24h, e isto não faz deles menos humanos ou menos dignos de direitos.

Apelar para a dependência do feto em relação à mãe, como vimos, não significa negar sua humanidade e, logo, seus direitos.

A mãe não deve ser obrigada a perpetuar uma situação que viole sua liberdade decidir. Ou pode?

Este é um dos apelos mais utilizados pelos pró-aborto. Sem dúvida, um apelo sentimental eficaz: imaginem como deve ser desgastante psicologicamente sustentar a gravidez e todos os seus efeitos biológicos indesejados (enjôos, vômitos, dores etc). Entretanto, não é um argumento válido para a defesa da justiça do aborto.

Vejam que a mãe e o pai do feto praticam um ato volitivo, ou seja, livre e consciente, qual seja, transar. Como é largamente sabido - e possível de inferência, quando não se sabe claramente -, transar constitui uma ação de risco muitas vezes: você pode contrair uma doença, por exemplo, e você pode provocar uma gravidez. Seja por negligência dos pais ao não utilizar um método contraceptivo, seja pela pré-determinação de engravidar, ambos estão conscientes - ou têm oportunidade de inferir - os riscos, bônus e ônus de uma  gravidez. E não será possível, ou justo, após a ocorrência da fecundação, argumentar que foi um acidente: ainda que seja um acidente, isso não livrará a responsabilidade dos mesmos sobre seus atos.

Imagine o seguinte caso: um sujeito dirige por uma rua urbana, com presença de pedestres, a velocidade não considerada segura; apesar de realizar pequenas manobras para desviar dos transeuntes, o indivíduo não diminui a velocidade de seu carro e, fatalmente, acaba por colidir em uma senhora que atravessava a rua. Não será possível acusá-lo de desejar, planejar e executar a ação: houve um acidente, uma fatalidade. O indivíduo, porém, não poderá alegar estes fatos para justificar sua fuga do local ou a não-prestação de socorro. Ainda que não estivesse pré-determinado a realizar a conduta, o sujeito foi culpado do ato e isso o torna garantidor da vida do acidentado. Caso haja a morte ou lesões no atropelado, o motorista será obrigado a prestar-lhe a devida indenização ou até ser preso, na medida de sua culpa.

Uma criança ou um feto não pediram para nascer, tampouco possuem algum tipo de culpa no ato. Eles simplesmente foram colocados na situação de risco pelos seus pais, pois é auto-evidente que um ser que não possui autonomia para sobreviver - ou, se possui, no sentido de comer e beber -, não possui discernimento da realidade é um risco iminente à sua própria saúde. E esta é uma característica natural, fundamental, essencial de uma criança ou um feto, não havendo, portanto, como negá-la ou imputar o ônus de sua natureza ao próprio. No instante em que esse sujeito é posto em tal situação de risco, automaticamente o(s) responsável(is) por esta situação torna(m)-se, seu(s) garantidor(res) e a eles será imposto o ônus de cessar (cuidar) ou garantir sua segurança (dar para adoção, v.g.).

Obrigar uma mulher a manter sua gravidez (pois após o parto o bebê poderá ser doado) não difere de obrigar um sujeito a arcar com a responsabilidade de sua ação. É fundamental lembrar que não foi outro senão a mulher (e o homem) que se colocou em situação de risco e a gravidez nada mais é que um efeito colateral possível, previsível e evitável de sua ação. Na verdade, a violência se constitui quando transferimos a responsabilidade da mãe e do pai para o feto ou para a criança, que sequer possui consciência de sua existência, ainda.

E a questão econômica?

Outro dos estandartes dos abortistas é apelar para a situação econômica de muitas mães. Sustentam que pôr uma criança no mundo seria prejudicial à família, já sacrificada, que teria de virar-se em duas para sustentar mais um indivíduo; ainda, seria um ônus para a sociedade, com o crescimento da pobreza; e, por fim, um martírio para a criança, que teria uma vida miserável, de privações, infeliz.

Não bastasse a arrogante presunção de que estes sujeitos são capazes de determinar o que seria felicidade e quem tem direito a ela, é um argumento essencialmente estúpido: os abortos não são privilégio da população pobre, mas muito comum - mais do que se imagina - em famílias com posses. Apelar para um benefício coletivo do aborto é atitude igual à de todos os coletivistas, que jusitificavam mortes, prisões, seqüestros e toda sorte de violência pelo bem comum. É uma vergonha que liberais por vezes recorram a este expediente tão odioso por diversas vezes.

Ainda, não tem qualquer validade universal: se assumimos que a miséria é inversamente proporcional à felicidade e uma razão suficiente para se aniquilar uma vida, seríamos obrigados a estender o raciocínio a toda população pobre. O sujeito que faz uso deste expediente deve, sem vergonha e sob pena de contradição, defender o extermínio dos mendigos, dos pobres, dos marginais, dos abandonados. Seria uma medida infalível contra pobreza, além de, segundo o raciocínio desses "progressistas", a receita para a felicidade geral da nação.

Pessoas morrem pela ilegalidade do aborto? E a facilidade em praticá-lo?

Talvez este seja o argumento mais utilizado e, junto ao apelo econômico, o de menor valor no debate do aborto.

É preciso deixar claro que pessoas não morrem pela ilegalidade do aborto: morrem pela escolha do aborto, afinal, a lei não as obriga a abortar. Seria o mesmo da família de um drogado reclamar de sua morte ao subir o morro para comprar drogas. A morte da abortista é causada pelo método utilizado, muitas vezes arriscado: e isso não muda devido à lei, mas à sua condição financeira de não poder patrocinar um aborto com remédios indicados ou numa dessas clínicas ilegais que atendem clientes de classe média ou alta.

Quanto à facilidade e o número de abortos, novamente os que defendem esta tese deverão aceitar a legalização do homicídio, do roubo, do seqüestro e das agressões, afinal, ainda que sejam práticas proibidas, ninguém parece dar muita bola e é mais fácil conseguir um revólver para balear um desafeto que ter acesso a medicamentos abortivos.

Enfim, a lei não pode ser um instrumento cultural, punindo ou livrando sujeitos segundo práticas sociais - ou seria perfeitamente legal o apedrejamento de adúlteras em determinada região. A lei deve estar, sobretudo, a serviço da justiça, que é universal.

Como tratar os casos de estupro?

É o ponto mais delicado e de maior problema para os que, como eu, são pró-vida, contra a violência do aborto.

O estupro é uma quebra da previsibilidade de uma relação sexual normal. Não é consentido, constituindo uma violência contra mulher, que, desarmada, não tem qualquer vontade ou responsabilidade pelo ato: ela, primeiramente, é posta em posição de risco.

Este é o caso, admito, em que vejo como ética a retirada do feto por decisão da mãe. Explico.

Ao passo em que, numa relação sexual normal que resulta em gravidez, há culpa ou ação pré-determinada dos sujeitos envolvidos, no estupro há somente a vontade e a ação do criminoso. O feto, da mesma forma, foi posto em uma situação de risco. Entretanto, não há a quem imputar a responsabilidade de sua existência. Sua mãe não foi culpada ou estava pré-determinada a gerá-lo e, logo, não pode ser obrigada a arcar com os custos (monetários e genéricos) de sua existência.

Voltemos à questão do motorista: imaginemos que o sujeito, no caso, dirige de maneira responsável, numa velocidade segura e respeitando todas as normas gerais para não causar qualquer acidente. De repente, a senhora é lançada em frente a seu carro, e ele, sem poder de reação, acaba por atropelá-la. Não haverá, na situação ilustrada qualquer dever inerente ao motorista de socorrer ou indenizar a vítima, afinal, ele não deu causa à situação concretizada: não era previsível, sequer para o mais sábio e mais precavido dos homens evitar o acidente. Ajudar ou não a senhora que clama por sua vida é uma questão moral.

E assim se faz o caso de estupros: não podemos obrigar a mulher a levar adiante uma gestação que lhe foi imposta, mas trata-se de uma situação que lhe foi imposta. Conceder a vida a um sujeito incapaz e também inocente será uma decisão moral da grávida, mas não ética.

Conclusões

Parece-me claro que, analisados os argumentos pró-aborto de maneira um pouco aprofundada, nenhum deles consegue sobreviver ao encontro de normas racionais e éticas. Muitos, aliás, sequer chegam a esse ponto: perecem pelo próprio absurdo contido em si mesmas, como a questão econômica ou cultural.

O que mais me surpreende é o fato da miséria a que é levado o homem quando se passa a enxergar o aborto como mais um meio para buscar a felicidade, o conforto, num mundo livre de responsabilidades. É extremamente angustiante observar que os mesmos sujeitos dispostos a sacramentar direitos de animais, árvores e toda sorte de animais e outras formas biológicas de vida possuem tanto desprezo pela vida humana, em prol de uma falsa liberdade.

Como disse certa vez um jornalista, estamos numa época em que não se garante aos bebês o mesmo direito e proteção concedido aos ovos de tartaruga e jacaré.

Prolife Ribbon